terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Inês é morta!


Que sorte pôs-se ante a Inês

Tolhida do verbo “amai-vos uns aos outros”.

Inês de todos os ventres vazios de amor

Dos ventres preenchidos de carne,

Dos ventres preenchidos de luz e de dor.

Inês que aceitou a alcova de tua mortalha,

E em tua cama simples, amou Pedro.

Sabendo de Pedro, amando : a corte, a coroa e a Constância

E sabendo que de tua alma esquecia-se Deus.

Que sorte diante de Inês

Partiu em quatro, Pedro e todas as suas paixões

Amanheceu no azular de cada desistência da noite.

Só, cercada de santas almas e tristes sonetos.

Com entorce vil e aguda em teu peito

E a serenidade de quem conhece o sono.

Desesperar-se lembrando da relva

que se encolhe na presença

Do desejo de puta de entregar-se a Pedro

Inês a “castrada” de ser dama livre e respeitada.

Concubina coroada e condenada a vestes pobres.

Sem bordados cor da aurora, sem aveludado tecido, sem saia de anteparo.

Que sorte a de Inês, o calor não se fazia tão quente

quanto o fogo que a consumiu.

Inês?

O interesse de todos era pela fúria que tua ausência causaria a Pedro.

O medo ?

Era pelo que tua presença faria no caminho do Rei

A fuga?

Foi para esconder-te nos muros que encobrem os covardes

A guerra?

Pela crueldade que anuncia o destino.

Era pelo poder; sobre ele soberano.

Tu era o templo do Rei, e era também a tua basílica quando a vida lhe depusesse

coroado em cova ornada.

Inês que sorte a Tua.!

Pedro soube te manter rainha e intacta tuas formas

Construiu quando expulso por vorazes algozes

0a morada que os avizinha.

Caçou os rendetores de tua dor, dentro e fora de ti e de si.

Porque tu resististes, a ti mesmo, fenecendo forte e indomável.

Aconselhe-me Inês, te escuto porque vencestes.

Entendi Inês, pode-te calar.

Tu é morta!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Úlcera ou Último Ato

Se Van Gogh cortou um pedaço da orelha, eu arrancarei os tímpanos. Meu último ato antes do suicídio. Abnegarei da música, única que me persuade a ainda escutar. Depois dos sons dos anjos vêm os gritos tortuosos dos demônios que moram em mim. Prefiro ser surda.

Se surda não me convenço mais dos absurdos, não creio. Melhor é ignorar. Um bêbado que não escuta logo desaprende a falar. Nunca mais quero te comer de novo, nunca mais dorme comigo, nunca mais passo aí pra te buscar. Eu ignoraria o frigorífico de carnes podres que se chama realidade. Veria as carnes dependuradas e não escutaria seus clamores, quero te comer, vamos nos comer. Seriam apenas carnes, e eu vegetariana. Nada de estupro, nada de aborto, nada de sangue nem de suor. Nem gemidos. Seria plena, surda e muda, com um par de olhos que não escutam. Veria a crueldade das carnes podres, que são tão carnes e querem se deglutir, se ruminar e depois vomitar a sofreguidão do mundo, como se fosse bárbaro e fabuloso. Aplausos, são todos comedores! Eu preciso vomitar.

Escrevo porque ainda não aprendi como se faz para vomitar e não doer, não sentir metade do estômago esfarelando-se, o fígado liquidificando-se em fétido amarelo. Não sei como se vomita e não se chora, eu não suporto mais chorar. Escrevo, então, porque me torno quase surda e vomito, escuto apenas os sons doloridos do meu estômago que se contrai e grita. Sou eu e só. E eu sou incrível na podridão que há em mim.

Ser sujo cansa. Arranquei a imundice que visto e entrei no mar, escondida, porque ninguém pode saber esse segredo, como eu me purifico. Toquei o fundo e encontrei lama, lodo pegajoso e gosmento, nada de estrelas, conchas nem caracóis. Muitas outras almas devem ter tentado se purificar nesse mesmo mar antes de mim, então se saturou, o fundo acumulou os restos das carnes podres. E não sobrou espaço para os meus restos: desisti de ser pura, abri outra cerveja e comi a primeira carne imunda que me apareceu pela frente. Agora tenho ânsia de vômito e não consigo vomitar. Necessito ser surda, calar os tormentos, arrancar a pele e vestir uma outra armadura de concha: minha alma é da textura dos moluscos. Preciso calcificar os tímpanos para não escutar meus próprios lamentos.

Novamente te encontro, vazio que tanto me atormenta. Sei que te necessito, espaço do movimento, sei que tu és possibilidade de caminhar. Mas devo confessar-te: nada se move. Duas mãos monstruosas apertam-me a garganta, descem-me pelo esôfago e chegam até o estômago – e é lá onde elas me arranham, torturando-me; ora suas unhas me acariciam de leve, ora me cravam fundo e me sangram. Angústia, sim, já sei do teu nome. Mas e o teu significado? Se sois possibilidade, por que me constringes?

Nem chove, e hoje queria tanto que chovesse. Sentir a eletricidade do antes da tormenta, ser movimento de inundações e ter medo de me afogar, de ser terra devastada e suja, de encontrar o fétido odor do rato morto. O ar é abafado, uma fornalha queima o resto de lixo que sou. Nem sendo lixo consegui entupir teus bueiros, resta-me ser cinza agora, entrar em combustão espontânea e explodir em poluentes químicos que te envenenarão lentamente.

Para: achei um bicho raro. Voou bem no meio do meu nariz, é claro, parte que mais me salta, como salta o ego. Agora ele se esconde entre as teclas, e eu não sei se quero esmagá-lo ou observar sua insignificância que caminha moribunda, sem dar-se conta que a ponta do meu dedo pode aniquilá-lo a qualquer momento. Acho que ele fenece, um pedaço de madeira com asas arrasta-se e esquiva-se dos meus toques. Soprei-o, mas ele não voou, desapareceu. Soprei a ponta do meu dedo, e minhas mãos continuaram aqui, inteiras. Nada se me move.

Era eu quem deveria ter desaparecido. Esqueceria dessa nossa insignificância, dos suores desperdiçados, dos estômagos esverdeados, da ânsia de vômito que me dá ser humano. Não: escrevo e torno-me presente, repito, giro, subo e desço e é sempre a mesma angústia. Por que não me calo? Por que essa teimosia em arranjar sons, em tentar algo de delicadeza quando há apenas grosseria no mundo?

Quero apenas não querer mais nada. Ser-me suficiente. Tenho dedos que esmagam, dedos que escolhem letras, dedos que escolhem cores, mas escolho sempre as erradas. Por que não matei o bicho raro, por que o soprei e permiti que desaparecesse? Eu deveria tê-lo esmagado, só assim eu sorriria. Mas permiti que voasse para onde se camufla, e eu não posso mais saber quem é madeira, quem tem asas, nem onde estão essas suas castanhas que não me olham mais. Por que escolhi castanho se prefiro azul? Talvez eu não escolha nada, mas penso que escolho porque tenho dedos e nariz que apontam.

É uma carnificina disfarçada de prazer, mas no fim estamos todos vazios, confesse. Tu provavelmente já te sentiste sem sentido. E quando se destrói o símbolo, perde-se a poética. Entornaste meu líquido, te deliciastes; agora que sobra só o invólucro, me jogas fora. Não sabes que as marés enchem quando muda a lua. Preferes o plástico, e me atiras a garrafa que me pensas no oceano. Por isso é tudo lodo sujo e pegajoso, gosmento, mas tu não percebes, não, e continuas a entornar os líquidos dos vasos. Espero que um dia bebas de um que guarde um óvulo de serpente, engulas e te nasça um veneno que te corroa desde dentro. E eu ver-te-ei moribundo caminhar entre minhas teclas, e dessa vez não te perdoarei: esmagar-te-ei com a fúria dos meus dedos que apontam, com arrogância que nasce do meu nariz; meu ego sobrepor-se-á ao teu, despejarei meu ódio e verter-te-ei em vômito, em teu próprio vômito, até que te afogues e sufoques por completo. Assim como fazes com os vasos onde sorves todo o líquido, absorverei até tua última gota de sangue, mas não te ofertarei ao mar: te esmagarei com os pés e te carregarei como sujeira no canto da unha, para que possa pisar-te sempre, e para que nunca te esqueças da tua condição também humana.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Era disso que eu estava falando.

Aquele zumbido foi aumentando

Exponenciando, pessoalmente? Ridículo!

Eram 27, 30, quase 40 anos e se contorciam

Inebriados que estavam de consumir porra nenhuma.

Todos vestindo intenções com fantasias pobres., paupérrimas

Uns dançavam a frustração, outros para o patético.

Alguns dançavam pra depressão , abstinência, para os monstrinhos debaixo da cama,

Bulimia, alcoolismo, dançavam pela separação não superada.

O som do desrespeito as raízes, a erva pendia chorosa dos lóbulos, sentindo-se pisoteadas.

Até o deboche era demais, mal dosado, todo o resto seguia a risca, as roupas, o balanço da dança, os sorrisos metálicos ou demasiado alegres.

O batuque forçando uma cor, mentindo origens e dores.

É vazio e seco como um baque na areia,

Abafa, sufoca como um enforcamento.

Belíssima orquestra de movimentos em um tom de debilidade.

Maribondo, ela quer ouvir maribondo!

É a mais sensata dos perfis possíveis,

Não erra nem por estar ali, pois quer ouvir marimbondo!

Não é maçante como sou, leve, irritante e quer ouvir marimbondo

Posar sobre as paciências, punir quem se importa e continuar zumbindo.

Chatear, ela deseja sapatear boas intenções, por isso se contorce e se redimi do juízo.

A cada revoada, esbarrando, ocupando o espaço, zombando, zumbizando!

Marimbondos.

É disso que eu estava falando!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Não Entre.

Não durma aqui. Está cheio de formigas.

Foi assim que me apareceu o bilhete pregado à porta. As paredes estão todas sujas: mãos, pés, mãos, pés, posso ver tuas digitais. O retrato de um filho dependurado. Ou será um aborto?

Nos lençóis em que nós dormimos formigas passeiam, movem-se não sei por quê. Eu já as sinto mordiscarem-me os pés, subirem-me pelas pernas até alcançarem o alto da nuca, pescoço longo que tenho, como o das galinhas que te apetece tanto cortar. Sou aquela galinha que passeia tranquilamente sem a cabeça e ninguém entende. Querem comê-la, mas ela insiste em caminhar, como se perder a cabeça fosse como perder uma pena. Tu não sabes que quando me cortaste a cabeça não me cortaste o centro nervoso. Por isso caminho, e caminharia assim eternamente sem cabeça se fosses piedoso e estancasses minha hemorragia.

Sim, eu entrei no quarto, não te contei? Eu sempre entro no proibido, e agora estou entrando no óbvio. Óbvio que tanto te odeio.

Mas eu não sei guardar os segredos. E por isso não te fragmento, te planifico. Quero-te tão óbvio como uma planilha do Excel, para que eu possa meter meu xis onde queira, e, possa assim responder a pergunta feita às secretárias. Fui-te bibliotecária dos desejos, cataloguei-os e, no fim, vieste e disseste: queime Alexandria!

Uma formiga subiu no meu braço. Não, eu não pude parar à porta, já disse. Teu aviso apenas despertou minha curiosidade mórbida e doentia. Tive que arranjar a desculpa dos chinelos velhos para abrir-te a porta. Eu visto meia-calça cor de bailarina, não posso tocar o chão senão com as pontas – a delicadeza facilmente se desfia.

Estou em meio à tuas formigas. E sabes que elas nada fazem, apenas sobem e descem, encontram antenas, creio eu, para se comunicar. Faz tempo que nada te comunico.

A mensagem é irrelevante. Eu queria que mãos me masturbassem, mãos que escutassem. Literatura é pura masturbação, por isso pouco importa a mensagem. Quando me escrevo não vejo – tudo é quase alucinação. Depois paro, me leio e me masturbo – aí gozo. Tudo existe entre mim e ti.

Hoje fui a Budapeste e vi uma das coisas mais incríveis: marimbondo. Marimbondo é todo feminino, mas esse r escondido revela o ferrão que masculino tem, esse pontiagudo que fere e incha. Marimbondo rebimboca pelo meu corpo, e eu me submerjo na cumbuca d’água que equilibro na cabeça, dançando e afugentando-lhe. Marimbondo significa “nome comum a várias espécies de vespas dotadas de aguilhão inoculador de veneno, principalmente as dos gêneros Políbia e Polistes”, mas seu significante é para mim música pura, é pandeiro e cuíca. Crio minhas próprias imagens acústicas, o conceito não me importa, associo livremente marimbondo ao ribondo, que riboca e repilica meus sentidos. Assim é para mim a música de marimbondo.

Ontem descobri tanta coisa que tu nem sabes, e tudo isso foi em Budapeste. Não te falo dos planos narrativos nem da fragmentação do sujeito, já disse que quero planificar-te, tu não tens camadas. Sóis de uma cor única, sem nuances, pálida e entediante. A luz não te altera, e na sombra és de um negro desbotado e gasto porque não sabes que a sombra pode ser azul cerúleo ou verde bandeira.

Eu comecei a perder a vontade das palavras e a me distrair com as formigas. Matei a que estava na ponta da cama, acho que ela era a chefe, porque fazia sinais para as outras passarem. E de repente não há mais outras, talvez tenham se escondido com medo do dedo que triturou a primeira.

Aqui é quando decaio. Já gozei. Aí começo a inventar histórias de formigas. Queria ser formiga e pensar-me importante, e de repente algum dedo vem e pronto, me esmaga. É... talvez eu seja aquela formiga que eu esmaguei.
Volto porque não sei parar à porta com o bilhete. Eu sei, você me avisou que havia formigas. Eu apenas quis ver o tamanho – e eram pequenas, muito pequenas.

Eu sei do jogo. Só te restam os peões e eu te cheque-mate. Cavalguei-te, mas nunca entendeste o movimento do L, do quatro. Ensinei-te todos os movimentos, e você só aprendeu o movimento óbvio dos peões. Tudo tão linear para ti...

Matei-te com o cavalo, mas tu com as formigas... por essa eu não esperava.

Que quereis? Comer os restos dos doces da minha boca? Praguejar-me sapos-bois? A culpa é sua porque eu defini e pronto – sou eu quem escreve a história.

Fiz-te tantas histórias que nem sabes... Se eu fosse inteligente já seria acadêmica pelo menos, e haveria mil garotos querendo trepar comigo, mas não – não, tu sabes – eu sou visceral. E aqui está o que me resta de intestino grosso – de grosso falta-me apenas dar-te o cu, mas não, calma. Agora eu fumo.

Depois que fumo, volto. Falava-te do cu, mas havia algo mais bonito que eu perdi. O bonito eu sempre perco...

Eu sou visceral e te culpo porque não me importa – quero apenas culpar-te. Quero que sejas o feio, o que me deixou. Mas eu entrei no quarto das formigas e te vi sozinho, dizendo-me que não sabias. Nunca soubeste?

Sempre fui eu quem soube, sempre! Estou cansada do sempre, quero outras notas. Quero que me desafines, mas tu guardaste tua desarmonia para teu punk rock mal elaborado. Aquela música que me compuseste ficou trancafiada na gaveta do olvido. “Swim all over you, tell me how I’m going to, amor, swim all over you?” Em que mares gélidos tu te submerges agora? E essa tua voz, ainda presa na garganta? Sim, tua voz é péssima, ninguém te sublima. Então precisas dos efeitos eletrônicos sonoros para que reverberes e explodas. Eu que nunca cantei explodo muito melhor. Aí tens meu cheque: falta-te alma.

Também porque tu sempre buscas o “alto espírito supremíssimamente elevado da biribiboca da ribiboquinha”. E eu sei, eu sei, sei, sei, sei que nada disso te basta. E que sóis infeliz.

É nesta hora que fico mais contente. Sabes por quê? Dizer-me vingativa é óbvio, fujamos do óbvio. É porque me traíste. Fui-te o mais incrível e fabuloso, e tu simplesmente disseste-me adiós. Assim, no más, adiós. Isso não aceito.
Quero que as formigas te comam. Inteiro. E depois eu verei os ossos, e restos de carne, e passarei a língua entre tuas costelas mortas. Foste sempre morto, morto. E eu as vísceras do teu ser.

Odeio-te do mesmo modo que um dia te amei. Assim sou eu.

As formigas não me devoram mais. Arranquei o papel da porta do quarto, e pendurei um aluga-se. Aluga-se. Tu me deves pelo menos dois anos de hospedaria.



domingo, 23 de agosto de 2009

Sobre a minha estupidez


Eu penso em você porque gosto de música. E é só por isso. Você não tem mais nada a oferecer-me. Eu te imagino porque te ouço em todos os cantos. Menos nos das esquinas ultimamente... Eu queria ter mais esquinas. Queria ser mais pontiaguda, mais oblíqua, mais taquete. Queria expulsar-te um pouco.

Ando muito maloma. A lua muda, e em mim não mudou quase nada, embora já seja primavera. Está um pouco mais diáfano, e você ficou um pouco mais turvo, só isso. E não entendo o por que do impacto.

Antes que transformem a nossa ortografia, eu queria ver-te e nem sei bem por que queria. Talvez por qualquer acorde, ou um falsete, ou qualquer mentira que me contarias.

Queria ouvir-te com os órgãos, sem participação da memória. Queria que fosses presente, menos futuro do pretérito imaginário.

Você é um idiota e eu nem sei por quê te queria. Você não trepa bem, continuo sem entender. Não entendo por quê te queria.

Adoro quando o Word pinta de verde trepar e corrige: ter relações sexuais. Viu, corrigiu de novo. Não, você não viu, só aqui eu posso ver. Isso poderia ser chamado de lavagem cerebral ou teoria da conspiração. Sim, os reptilianos estão por todos os lados.

Mas tudo isso deve ser por que eu tomei dois litros de cerveja, só por isso. Adoro quando a embriaguez explica tudo e qualquer coisa.

E quando me releio bêbada é pior ainda. Fico apavorada. Adoro minhas rupturas. Minha agressividade...

Quando pinto é tudo tão harmônico. Vou de um claro aos escuros sem qualquer interrupção. Sei dos meios-tons. Meus nus são de uma delicadeza que talvez ainda exista escondida em alguma pinta num canto do pescoço.

Já nada mais tem a ver contigo, e quando penso nisso, aí é que me lembro. Estranhos caminhos os da memória... Como tudo entorna sobre si mesmo.

Aqui é festa, eu me escondo. Sou aquela pinta no pescoço escondida debaixo dos nós que se chamam cabelos. Eu chamo nós e rédeas, e serpentes ao vento.

Conheço um filhote de serpente que tem asas.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Mulher e Rinoceronte

Insônia: repete-se como os passos no corredor da casa ao lado, todos os dias, logo depois que os filhotes de pássaro reclamam o café. Excesso de cafeína que não me deixa dormir, deve ser, e o que me alucina. Excesso alucina. Mas esses grunhidos desesperados escuto pela primeira vez, antes dos pássaros anunciarem a primeira luz, e antes de ter necessidade do tapa-olhos. Grunhidos não me deixarão dormir, e eu estremeço como uma criança, agarrada ao travesseiro, vendo fantasmas no armário, imaginando monstros embaixo da cama. Fecho os olhos, mas já estava escuro antes. Tento tapar os ouvidos. Sons gemem, roncam, lamuriam-se: parece que a alguém lhe falta o ar. Tento ser lógica: alguém está roncando como um porco. Os passos que trabalham se cansaram e caíram bêbados no corredor. Um ladrão pulou o muro, e está tendo uma crise de asma. Apavoro-me, alguém deve estar tendo um ataque epilético. Algo sucumbe e geme, algo pede socorro, e eu estou estatelada na cama. A qualquer momento alguém irá quebrar esta veneziana.

Quando não se dorme assim se entorna a lógica do tempo, as horas são persianas. Primeiro os cachorros latem no escuro, alguns gatos no muro miam seus cios. Os pios estridentes dos pequenos pássaros famintos, depois os dos grandes afinados. Primeira comida, primeira luz, primeiro bocejo. Coloco o tapa-olhos. Aí vêm os passos no corredor. Imagino que vai trabalhar, pois nos dias santos os passos vêm mais tarde. Penso que vida boa tenho, que posso dormir enquanto passos arrastados trabalham no mesmo exato momento, eternamente, até um dia não poderem arrastar-se mais. Logo escuto carteiro, carteiro, de longe, carteiro, carteiro, chegando mais perto, carteiro, carteiro, afastando-se, e aí então Morpheu me carrega em seus braços.

Mas hoje não foi assim. A insônia não girou a roda dos ponteiros – os grunhidos interromperam seu ciclo. Os gatos esqueceram seu cio e os cachorros latiram desesperadamente, como se bradassem perigo, perigo. Os sons da madrugada eterna enlouqueceram, eram o ronco do motor de um velho barco, que tenta arrancar rumo ao oceano, mas está atracado no porto. Ratatata-ratatata-ratatata-ra ao infinito, infinito sem movimento, ancora no poço. E de repente um ronco agudo, como um último suspiro, a respiração de um morto, o sufocar do asmático, uma crise de bronquite. E mais alto, mais alto, até parecer expelir a ultima expiração. Mas não para. Inspira. E ratatata-ratatata-ratatata...

Não entendia o que era isso. Ainda era escuro, eu nada via. Apenas ouvia e os sons eram rinocerontes enfurecidos dentro da minha cabeça, como aqueles que eu via no zoológico, que corriam na minha direção, corriam o furor dos grandes ímpetos enjaulados há tanto tempo que não são mais capazes de saltar pequenas grades.

Quis saltar as venezianas, abrir as persianas dos olhos. Mas não quis luz. Quis descobrir o som no cerne do medo, sem lanternas, meter-me no âmago dos grunhidos desesperados e tateá-los, ouvir sua forma, sentir a vibração das suas cores, entender o ruído ofegante das cordas frouxas, fazer música do peito arfante que fenecia no corredor. Desenrosquei-me das cobertas e deslizei o nariz pelo vidro escuro basculante. Senti o amarelo das ruas solitárias rompendo os tons marrons, até criar o cinza. Ouvi de novo a respiração arfante, de novo o grito, mas nada havia depois da janela. Escutava passos, e um farfalhar, talvez ratos procurando comida, ou morcegos festejando o dia das bruxas. Mas não era outubro, e o barulho que saltava pelos poros da rua não cabia nos pulmões desses pequenos mamíferos.

Tentei as janelas da sala, grandes venezianas, e não as abri. Escorri as pupilas pelas frestas e encontrei duas pequenas íris negras, regozijantes, chafurdadas na areia preta da construção do vizinho da frente. Nessas duas pequenas janelas escuras e inocentes, cobertas de pelos rijos como os que envolvem as castanhas, alguém me olhava curioso, como se perguntasse: ousaste saltar as grades? Nas minhas janelas a pergunta ecoava, e eu tentava desvendar-lhe o mesmo segredo. Nada lembrava a agonia dos grunhidos, da respiração arfante, dos gritos mórbidos sufocantes – tudo era apenas curiosidade. O negro era plácido, como as lacustres águas serenas que banham de ébano a gruna onde sonha um deus polimorfo. Das fasquias castanheiras um nariz enorme saltava, torpe, desengonçado, e parecia sorrir o sorriso dos palhaços grotescos. Não vi seus dentes, sua boca camuflava-se na areia escura onde ele enfiava a cabeça como quem se aconchega em um travesseiro de plumas. Era enorme, e eu não sei dizer onde começava seu corpo nem onde terminavam os grãos de areia. Tudo era terra, terra com olhos, nariz e boca, terra que mastiga, respira e olha, terra que sou eu, terra que é ele, terra que é terra.Seres amorfos, deglutimo-nos, emaranhamo-nos, até que Morpheu tomou-nos em seus braços e juntos cavalgamos tu, eu, mulher e rinoceronte.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Handwritten, handmade: palavras feitas à mão - parte 3

Quero-te só por dois instantes: um para comer-te e outro para cuspir-te. Não digiro nada, vomito. Meu estômago esverdea-se e rejeita teus amores conservados.


Sou da guerra agora, Marte entrou em minha órbita terráquea, orbitamos no mesmo compasso, transladamo-nos ao redor da mesma estrela, e dançamos teu triste tango desafinado.


Te amo clandestino. Quero comer tuas entranhas. Quero que sangres e grites e esperneies. Junto sons numa punhetagem escalafobeticamente narcisista. Quero que me toques os acordes e me arrebentes as cordas frouxas.


Eu te consumo e entrego-me a tua ânsia devoradora. Consumo-me em cubos saborizadores de amores artificiais. Não te ganho nem te perco, aproveito-te, te rumino. E te cuspo os pedaços de plástico que nunca serão totalmente absorvidos pela terra.


Quero-te agora por três instantes: um para comer-te, um para cuspir-te e outro para pisar-te. Estraçalhar-te a flor de puta que me compras, embriagado de paixões serpentinas. O meu eu te amo é vermelho carmim coberto de cinzas. Quero compor-te uma gaveta com roupas que sobem e descem, abraçam-se e empurram-se, cobertas de plástico derretido cor de sangue. Darei-te de presente, um dia. E quero que me guardes nela.


Quero que encontres minha desafinação, e que me vibres e me explodas. Quero que escutes a música que te toca meu corpo, e que construas uma escala atonal, só para mim, em teu violão.


As flores morrem pálidas, dependuradas pelas sacadas da minha alma. Tentam agarrar-se, e nada, caem uma por uma, desesperadas, no esquecimento. Abri as janelas e expulsei tudo, agora me tranco aqui, nessa melancolia estúpida, vazia e sem sentido algum. Quero sofrer e odiar-te, até que não suporte mais e precise de amor de novo. Novo. Puro. Perdoado.


Mas os filhos morrem, e agora tudo se joga pela janela. Minha janela está fechada, tranquei a porta no porão das almas. E eu visito constantemente os porões, e sei onde se escondem os ratos, e sei do feio, do horror e da tortura, que caminham comigo, gritando nervosos no meu ouvido. E gritam, gritam, gritam, e eu não posso mais escutar melodia alguma, só ruído e gritos agoniados.


Debato-me de novo, sou um inseto agonizante. E grito e só a morte me escuta. Não me ame, não, deixe-me morrer, te peço. Tranque-me numa gaveta que não abras nunca. Sou filha de Pandora. Escarre-me na boca, amaldiçoe-me. Sou Cassandra, a maldita. Esquarteje-me e goze meus restos podres. Sou Geni, me apedreje. E esqueça-me num canto escuro que nem antes.


Mas traga-me de quando em vez um copo d’água. Caso me nasça outra erva-daninha e eu precise alimentá-la. Caso eu desista de desistir de mim e me agarre de novo às flores secas da sacada. E se eu quiser plantar outras flores, e vê-las morrer novamente, traga-me água. Só um pouco de água. Se de repente eu me distrair e me esquecer do triste de mim. Água para que eu deixe de secar e sorria, enfim.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Uma louca suicida

Quis jogar-me na frente do ônibus. Turn red, turn me red, please, I beg you. Permita-me cruzar-te as artérias. Senti a vibração do mundo na ponta dos dedos e tudo ficou dormente. Tudo tem pressa de ir. Eu queria permanecer semente.

Cerrei os olhos e cruzei a alameda. Mesmo cega ninguém me atropelou. Não, não, eu sou o trator de saltos brancos e saia de babados. Posso ser cega, mas sou trator. Eles aceleram quando tudo está vermelho, mas ninguém consegue passar por cima dos rangidos dos meus dentes. São apenas ruídos o que eles fazem, já eu, ranjo e toco música sem nenhum instrumento.

Sinto-te corroer-me o estômago. Um mendigo dorme num canto da rua. No outro canto tem um rato morto. Arroto mas quero vomitar na cabeça da criança idiota fantasiada de coelho. Um homem traveste-se com a mesma fantasia, mas para ele eu sorrio. Prefiro o ridículo e sujo ao puro e inocente.

Logo será Páscoa, mas esqueça tudo sobre Cristo. Quero apenas saber quando EU ressuscitarei. Nascer nunca me bastou. O prazo de validade da minha alma expirou há mais de mil anos. Eu teria que ser enlatada, talvez durasse mais. Mas sou um ovo oco, um aborto em estado de putrefação.

Mudei de calçada, invadi teus espaços. Do outro lado outro coelho me sorriu: Tia! E foi quando me nasceu qualquer coisa de clara, mas eu preciso do amarelo da gema. Derramei uma gota que evaporou no asfalto quente. Ninguém viu, só os olhos vermelhos do coelho.

Faltam-me algumas palavras, uma delas é paciência. Outra é amor, outra perdão. Mas se alguém quiser saber da luxúria, da soberbia e da arrogância, eu explico. Tenho muito mais que sete pecados capitais.

Glenn Miller gira, gira, eu queria ser um disco, mas sou muito pontiaguda, cheia de farpas. Sou daquelas madeiras vagabundas, que se contorcem na chuva e que quebram fácil. Não entendo a nobreza do mogno.

Adoro jogar sal nas lesmas e vê-las contorcerem-se até a morte. Tenho inveja das lesmas porque queria que me bastasse sal para morrer. Também tenho inveja das crianças que esfregam suas sapatilhas e suas roupas diáfanas na minha cara. Eu posso apenas errar alguns passos nas esquinas e esperar que o sal retenha todos os meus líquidos. Quero apenas ser seca.

Sai do banco e quis que me roubassem, porque assim eu gritaria: me mate!! E esse quem, nervoso, talvez puxasse o gatilho. Mas não apareceu nenhum ladrão, nenhuma arma de fogo, nada que explodisse o que me resta de miolos moles. Então eu tive que entrar em ebulição sozinha. Estou esperando o que me resta evaporar.

Rinocerontes escapam das descargas, impõem-me seus chifres nos pára-lamas. Se eu tivesse pára-lamas não estaria tão suja assim. Tudo me grita e eu não tenho mais tímpanos. Perdi-te no ruído dos automóveis.

Manadas fogem do circo, mas não há fumaça. Talvez se cansaram de ser palhaços, ou talvez viram o rato que eu vi. Eu sou o macaco que come pipoca e espera o fim do espetáculo, mas as tragédias nunca têm fim.

Perdi o ritmo e a melodia. Impossível qualquer canção. Sou-te uma máquina imprevisível e atroz. Ninguém suporta a loucura fria da minha engrenagem. Queria ser-te arte, mas não há possibilidade alguma de comunicação. Então escondo minhas cores, me sujo de cinzas doloridas e disfarço-me de amores.

Queria alguém que me serrasse em mil pedaços e me trancafiasse para todo o sempre na caixa de Pandora, de onde eu nunca deveria ter saído. Mas sempre há um curioso, então me abriram. E cá estou eu, aberta, espalhada, e não tem uma chave que me cerre.

No ônibus que não me atropelou eu entrei. O trocador me sorriu bom dia. Não sei por que o mundo me sorri se eu escarro. Quis perguntar-lhe o que o dia tem de bom, mas julguei uma pergunta demasiadamente filosófica para suas mãos acostumadas ao tilintar de moedas. Ele tilintou-me moedas, e eu estranhei aquilo. Não me roubaram, não me mataram, não me atropelaram, e ainda me restava a música dos metais.

Um coelho me sorriu e gritou tia, um trocador me deu bom dia e assim eu sobrevivo à angústia da minha própria hipocrisia. Resta-me sorrir quando quero cuspir, resta-me arrotar quando quero vomitar, resta-me beber quando quero me afogar. Resta-me apenas escrever quando não posso berrar. Escrevo porque não sei perdoar.

De nada adianta escrever porque a palavra aqui não tem a força do grito. Talvez se eu usar o Caps Lock: GRITO. Não adianta: o grito grita e gira na minha cabeça, e não há nada na garganta. Preciso do grito na garganta, do grito na boca, do grito no ar. Quero apenas gritar, e nem isso eu consigo.

Tentei amarrar essas palavras sujas, mudei quinhentas mil vezes as frases de lugar, e em nenhum lugar cabiam. Tentei qualquer coisa de ordenação lógica, de harmonia, de ritmo, de melodia, mas é também impossível: eu sou a desarmonia pura, não entendo nada de música. Por isso trepo em cima dos músicos, me enfio nos blocos, giro discos: porque minha palavra é muda e a minha poesia ficou surda.

Arrumei as gavetas para poder trabalhar em paz, mas o lugar onde durmo é imundo. Então nunca quero voltar pra casa. Preciso concluir o que começo, preciso do fim, e nada, tudo se me ensancha, me alonga, eu tenho horizontes mas queria ter paredes, muros de castelos medievais e muitos soldados. Nada, nem uma lança para atacar, nem um escudo para defender. Preciso então de um corte, e é num corte abrupto que vou terminar. Porque a única coisa que sou é o abrupto do corte na alma a se descarnar.

domingo, 22 de março de 2009

A la carte na mesa de um cabaré.

Não sei onde arrumei esse inchado no joelho, havia saido decidida do ônibus que me conduzia ao lar.
Mas deveria mesmo ter saltado, decidida como estava, não me falharia o botequim.Voava por ali passarinhos a muito presos pela ordem da lei, e que de bom-grado me recebem muito bem até hoje, guardada a maladragem dos gestos ensaiados, tidos na gaiola, e eu já carregava no peito a saudade da boa mesa!
Lá dei de encontro com doces olhos verdes, que fazem seis anos me acharcaram prepotentes, ontem mais tolerantes, procurou saber de minha opinião quando seu aborrecido olhar me alvejou pelo desconforto da côrte de um também velho desafeto, tudo na mesa de um bar, onde todas as histórias tecem no tempo; na época fulminou-me com a impaciência de felino esfomiado,deu de rabanada o enciumado e sumiu.Nunca mais me foi côrtez,mas nunca escondeu a furia do desejo que compartilhava comigo, era inquieto, flamejante e calou-se.
Certa vez, estavamos juntos numa gafieira, ele chateado por sentir-se negligenciado por mim,nada passou de um engano, mas enfim, meu querido não era muito de discutir incômodos, me beijava e eu gostava. Quando percebi uma moça interessada e ele inclinado, eu moderada e arredia com meu coração,cantarolei para os bolsos onde escondo meus sambas: " Nao vou esperar o transtorno de tornar-te minha infiel paixão, tornarei eu, lençol de qualquer colchão, antes que de mim, ah eu sei de mim....sei daqueles olhos, sei daquelas mãos...."
Caminhei pelo salão perdida, já havia ele beijado a pequena, esmeirando-se em esconder o que eu já precavia, andei como num cabaré, deixando pegar-me as mão os estranhos, cedendo sorrisos de porcelana e beijos de labios desinteressados.
Decidi pelo pouso no balcão e pelo whyski que me custariam os últimos centavos não fosse a gentileza de um cavalheiro sensivel a minha tristeza muito bem maquiada.
Aborrecida declinei somente a companhia de meu copo e cigarro, esperando que viesse a mim, aquela paixão traíra, desculpar-se para meu perdão...
E veio.
Disse que a moça havia pedido desculpas , pelo beijo que robou de meu rapaz, dito por ele,me virei para moça gentil e sorri.
Me trouxe o recado afim de acertar os ponteiros, não sei porque cargas d'aguas desistiu da moça e falou que me beijaria se nada quizesse dizer. Beijei; ele, o moço que afagou minhas mãos e o que me pagou o whyski companheiro, sem ofender a vaidade de minha paixão, que revogava a traição a minha lingua.
Saimos dali no cio, ele me trouxe em casa e fizemos amor no caminho.Sem nada dizer desci do carro e optei pelo resto da noite pra decidir se os beijei por vingança ou para sarar meu desalento.
Passaram-se seis anos e a pouco soube o porque não cortejou a moça até o fim da noite. Casára-se com ela e com ela tinha um filho de 2 anos, contou-me com os mesmos olhos de fundo de mar, e na mesa de botequim me perguntou de nossa velha paixão.Copiei o sorriso que havia dado a moça do pedido de desculpa por te-lo beijado. Passaram -se tantos anos e eu escutei calmante as lorotas sobre a irresistível vontade de ter-me,que nunca passou, mesmo sendo feliz com a delicada moça dos salões de outrora, lembrava de mim.
Então degustei as desculpas, melindrei os elogios,fiz que ele falasse dela, confessasse que naquele momento não esqueceria que com ela partilhava os últimos seis anos, então fui buscar minha bolsa guardada camaradamente sobre a geladeira do botequim, para no banheiro de casa devolver a lágrima escondida no sorriso que dirigi a esposa de meus olhos verdes-mar nos salões do tempo.
Ele segurou-me contra a porta sem deixar que eu saisse de seus braços, e com os mesmos beijos de antes apertou meu corpo de frente a parede e me amou. Não deveria querer me olhar nos olhos, mas olhou.
Hoje a gentil moça é dona do seu lar, e eu amada como a rainha de um cabaré.Percorri mentalmente aquele salão que lotado acolhia meu triste acontecido, dessa vez vazio so bailava minha satisfação jovem, de ter de volta uma paixão covardemente abatida.
De manhã passei por ela na padaria, como boa esposa que é deu bom
dia, e eu?
Sorri pra ela!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Rezo vida

Tem, coisas que só faço sóbria
Tem coisas que só faço sôfrega
Sofrer eu faço quando sóbria
Escrever , só faço quando sôfrega
Resolvi intervir
Sofrer, beber e escrever
Como boleros sem nunca ter havido Ravel
Como Maysa, sem nunca ter havido bolero.
Nem Matarazzos.
Resolvi dormi sem penitências
Bêbada e só! Resolvi!
Resolvi não ter mormente.
Nem momento nenhum de espiritualidade
Resolvi deixar as calcinhas no chão e lacrimejar.
Não dizer nada do peito a ninguém
Não aproveitar-me do cerne desejo ébrio de falar
Que sempre foi o meu melhor
Sempre foi o meu pior
Resolvi não esperar, não concertar.
Resolvi e pronto, Ponho-me a chorar.
Resolvi parar de beber mais cedo
Acabar a carnaval mais cedo
Tirar a fantasia mais cedo...
Resolvi morrer
E não te esperar
Nada de velório, nada de enterro.
Resolvi abdicar de seu perdoe-me
E se perdi o chão, porque resolvi.!
Quem é de pedra ajude-me a levantar
Resolvi não temer não ter flores
E decidi esse dia beber
Não escrever, nem falar.
Decidi ficar sem as coisas leves,
Decidi não respeitar seja lá o quer meu peito leve.
Decidi deixar meus amigos serem quem sejam
Não escolher, nem escutar minha mãe
Decidi, resolvi,
Beber, escrever, ficar muda.
Sozinha dormi
Fuder, rezar, ser vagabundear.
Sozinha escrever
Sozinha fuder
Ficar muda
Sozinha falar
Ficar surda
E só lamentar
Rasgar, grasnar
Dar me de louca
Ser solta, ser solta, toda .
Toda fantasia, alegria alegria.
Deixar de ser esquisita.
Dia-a-dia meio colombina
Melindrar.
Ser a coisa toda, ter a coisa toda...
Chamar o caminhão, me mudar.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Feliz Aniversário (reediçao de" Obrigado por ter me abandonado")

Tentei de tudo pra que não fosse proisaco
mas talvez me fascine teu modo sintetico de ser bárbaro.
Teu medo me excita os poros...
E fato de ser tão perdido,tão falsamente seguro,
Há isso me fascina!
Me és tão cru. tão obvio...que um dia temo me ser apenas suscinto.
Obrigada por me deixar sempre,
me alimentar de seu medo
me dá a insegurança de sua certeza
e a sua certeza insegura!
Obrigada por me fazer vacilar ,
me fazer escrever em nome de meus pentelhos
de fazer duvidar toda a minha inspiração,
confirmar minhas paixões definitivas,
e dentre delas saber que não é você.
Obrigada por se encaixar perfeitamente no meu corpo.compartilhar das ideias relevantes, e me inspirar indignação...
Tens tanta dúvida aos 34...
Que aos 26,sinto plena a redenção!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Apocalypso

Notícias bombásticas. Não sei como ainda consigo me surpreender vivendo neste mundo bizarro. Depois de ouvir que:

a) uma mulher perdeu as mãos e os pés por causa de uma infecção urinária (???) – fiquei apavoradíssima, até agora não consigo acreditar que foi apenas por causa da infecção urinária – tem alguma outra bactéria escondida embaixo do tapete, não é possível! Eu já tive umas 275 infecções urinárias e uma pielonefrite – até hoje tenho minhas mãos e meus pés aqui comigo, juntinho, bonitinho, e nenhum médico, nunca, jamais, me comunicou tal possibilidade. Disseram-me apenas que poderia perder um rim, mas se trocarem por um fígado, está valendo. Hipocondríaca que sou, já marquei uma consulta com meu urologista. Se houver a possibilidade de trocar um dedo por um fígado...

b)um poodle matou três argentinos em Buenos Aires - só na Argentina um poodle consegue matar três pessoas, pior, acidentalmente. É por isso que digo que eles são trágicos como um tango de Gardel. Veja bem a situação: um cão pensa que é super homem, todo bobinho, resolve voar pela janela. Cai em cima da cabeça de uma senhora de 75 anos, que morre na hora. Aí já viu né, o povo adora uma desgraça, juntou de gente. Uma curiosa descompensada atravessou a rua sem olhar, passou um ônibus e pimba! Matou a miserável. Um outro cidadão horrorizado que assistia toda aquela cena grotesca, sofre uma ataque cardíaco e abotoa o paletó. E a culpa é da porra do cachorro que achava que era super homem, coitado, descobriu da pior maneira: morreu também.

c) um doido arrombou um sex shop e “estuprou” três bonecas infláveis - isso foi na Austrália, mas tudo bem, lá falta mulher mesmo. O cara é matchotcho, gente, para, imagina, ele teria que arrombar o cu de algum gay, não rola, preferiu arrombar uma boneca inflável mesmo. Mais interessante foi que o ser passou lubrificante, não sei se no pau, na chimbinha da boneca, ou nos dois, mas enfim, o fez, e depois largou-as jogadas num beco perto da loja, como todo estuprador que se preze.

Agora recebo a notícia escalafobética d) que a “banda” (Apo)calypso é indicada ao Prêmio Nobel da Paz. (!!??!!) – Fala sério. Mas mais escalafobético ainda foi descobrir que o nome “artístico” do marido da Joelma é Chimbinha!! Chimbinha, cara, pelo amor de Deus, para o mundo que eu quero descer!! Joelma parece nome de cobra e Chimbinha, por favor, não preciso nem dizer, inverteram a ordem toda do negócio. Joelma e Chimbinha, pimba na gorduchinha! Ri durante umas três horas.

Não entendi nada, básico eu não entender. Primeira pergunta que vem a mente de qualquer cidadão que tenha pelo menos Tico e Teco funcionando, mesmo que mal e porcamente, é: que diabos, perdão, anjos eles fizeram para receber tal honraria?

Única resposta que me parece razoável: são bregas, eram pobres e ficaram ricos, o povo adora um pessoal que sai da merda, faz merda e ganha dinheiro com merda, porque acha que também vai poder ficar rico com sua própria mediocridade. Mas parece que o Comitê da Paz pensa diferente de mim.Teoricamente, a indicação se deve ao “relevante trabalho humanitário em prol dos carentes da região Norte”.

Bom, fui pesquisar para ver se a notícia era verdadeira, e não encontrei nada - nem no site oficial da bunda, oops, banda, nem no site oficial do Prêmio Nobel da Paz - que corroborasse tal absurdo. Bom, descobri que a banda está de férias, presumo que o comitê da paz também esteja.
Também procurei quê trabalho humanitário o (Apo)calypso fez, e tampouco encontrei coisa alguma. Mas houve um cidadão mais paciente, esforçado e com menos coisa pra fazer que eu (olha que não faço porra nenhuma) que encontrou. No site em que escreve ele diz que “Joelma já doou roupas usadas em show para leilão beneficente e que o casal bancou a reconstrução do bairro San Martin, em Recife. O local foi atingido pela queda de um avião da banda, em 23 de novembro do ano passado. Além dos recursos, eles exigiram que fosse aproveitada a mão-de-obra de operários da própria comunidade. A banda fez ainda show em Porto Alegre, em dezembro, com a receita dedicada aos desabrigados de Santa Catarina. O curioso é que o motivo da indicação ao Nobel falava do povo da região Norte...”

Porra, cara, por favor. Vou começar nem falando de Santa Catarina. Quem foi que viu no jornal os voluntários solidaríssimos, inclusive os próprios caras do exército, carregando tudo de bom que tinha de doação pra levar pro irmão, pro primo, pro periquito, pro papagaio, hein, hein? Eu vi. Ok, eu concordo, Joelma e Chimbinha não tem participação nisso. Mas eles fizeram um show para ajudar os desabrigados, e acabaram deixando milhões de ouvidos desabrigados de tímpanos.

A desgraça do avião.Tipo, os caras caem com o avião em cima de um bairro, destroem a porra toda, desgraçam a vida de várias pessoas, e nego quer meter que é caridade, solidariedade, altruísmo, ó meu deus, como são bonzinhos, as pessoas terem a dignidade e o caráter de reconstruir tudo e empregar a mão de obra local? Quer coisa mais óbvia e lógica que isso? É o mínimo que deveriam fazer, e não vou bater palmas para o óbvio. Dignidade e caráter há tanto tempo não andam por essas bandas que as pessoas se emocionam quando vêem alguém agindo como deve ser. Solidariedade, caridade, altruísmo seria se eles tivessem morrido no acidente, para isso sim, eu bateria palmas, de pé.

O monte de “ai zezuzu, me chicotia” que chamam roupas. Desde quando as roupas daquele estrupício podem ser consideradas beneficência??? Isso é maleficência, isso sim, a não ser que a anta altruísta que comprou esta ode a breguice tenha imediatamente tacado fogo em tudo, e não permitiu que nenhum olho humano se contamine com todos os brilhos da falta de bom gosto. Está bem, eu sei, o dinheiro foi revertido para alguma campanha da solidariedade estúpida. Mas eu fiquei imaginando uma pobre, fodida, catando caranguejo no mangue todo poluído, cheio de sacos plásticos e garrafas pet, usando esta roupitcha aqui ó:


Puta que me pariu de verde e amarelo! Valha-me Deus! É o Apocalypso!!! Só rezando para Nossa Senhora da Vassoura Piaçava varrer pro quinto dos infernos essa desgraceira toda. Só o capeta dá um jeito nisso... Os santos e demônios precisam ter uma reunião urgente para reequilibrar a ordem natural do planeta. A morte tirou férias do bom senso.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Enfim

Deixa ir. Ainda não sei o que aprendi. Mas ficou um espaço aconchegante onde dorme uma planta chamada saudade e uma louva-deusas chamada esperança.

Aboli a escravidão narcisista – não quero morrer afogada. Quero respirar embaixo d’água. Ser-me submersa. Construir túneis na beira da praia e esperar pelas ondas, em vez de construir castelos e lutar com elas.

Não tenho mais grades. Deixei cair cada argola de minhas correntes. Sou-me inteira, com todos meus farrapos. E posso sorrir porque amo apenas, amo na dor e no penar.

Pendurei minhas ferraduras atrás da porta, para dar sorte. Não ando mais na sela. O molusco saiu de dentro da concha e eu fiz um arranjo para meus cabelos.

Não grito mais. Tenho uma paz estranha. Pude compreender o que fui, mas já não sou mais aquela que pode compreender. Este é um segredo raro.

Tudo o que encontrei foi um estômago, e era exatamente de um estômago que eu precisava. Toda semente me nasce no estômago, depois os ramos crescem pela minha garganta, muitas vezes quase me sufocam. Então preciso ser reles e vil, e usar uma tesoura. Corto o pescoço, mas nunca queimo a terra. É preciso ter estômago.

Abri as janelas para olhar a tempestade. Marquises voaram, telhados desabaram, os raios partiram árvores e um portão despencou. No céu havia um violeta avermelhado que me sorria visceralmente. Faltou luz e eu era eletricidade pura: acendi uma lâmpada no porão, e os fantasmas fugiram assustados.

Não te fiz um enterro, nem te acendi uma vela. Fiz-te um barco de papel e joguei-te flores no mar. Não mandei construir-te uma capela. Dei-te o barulho das águas e o aroma do desterro. Fiz-te brisa para teu céu desanuviar. É mais bonito deixar ir que enterrar.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ainda...

Não sei como amor virou saludos. Estranho se despedir. Se não consigo me despedir das roupas velhas, quem dirá das pessoas. Tenho roupas que guardo por anos... e um dia, de repente, resolvo usá-las. Outras viram fantasias de carnaval. Eu reinvento roupas e não consigo reinventar pessoas. Fantasio-te mas você não me cabe, me pinica, me aperta. Mandei-te para a costureira e voltou pior do que estava. Acho que a única solução é jogar-te fora, para que uma menos afortunada, outra desesperada por fantasias, te reaproveite.

Dizem que para um pé cansado sempre há um chinelo velho. Meus pés às vezes se cansam, mas preciso apenas de dedos que caminhem delicada e silenciosamente sobre eles, então se recuperam. Eu não consigo usar sempre o mesmo sapato, me dá calos, até o mais confortável dos chinelos velhos. Preciso de um salto agulha novo, para que meus pés não toquem mais a lama, e aprendam a caminhar com elegância sobre os buracos que encontro pelas estradas de minha vida.

Não sei se guardo sua gaveta aqui ou se alugo. Queria era vender mesmo, mas ninguém quer comprar. Não sei se porque o preço é alto e assusta os clientes, ou se é barato demais e o cliente desconfia. Preciso aprender a cobrar o preço justo.

Foste uma ponte que me levou a lugar nenhum. E eu queria que fosses montanha. Queria ser-te uma árvore, flor e fruto, mas fui-te vento, ventania, tufão. Você não agüentou e desmoronou, agora não posso mais passar meus pés descalços pela tua mão.

Queria ser-te tijolo e que fosses cimento, mas você quis construir uma cabana, e eu, castelo. Tenho uma coroa que você não vê, pensas-me vassalo de teus súbitos desejos. Eu tenho súditos que morrem de desejo de tocar minha coroa. Mas eu preciso de um rei.

Talvez não entendas que sou gato, não cachorro. Estou acostumada a andar em muros com cacos de vidro, já fui escaldada, já fui sagrada no Egito, tenho sete vidas e já morri umas três. Sou a dona da casa, esfrego-me em tuas pernas, arranho e mordo quando me dá na telha. E não adianta tentar colocar-me uma coleira, é inútil. Tu, porém, compreendes apenas os siameses vesgos de apartamentos, que não tem coragem de gastar uma vida atirando-se lá de cima. Ou talvez esses pobres gatos nem saibam que têm tantas vidas, e tu, em teu egoísmo cruel, guarda-lhes esse segredo.

Eu arrumei as gavetas e as prateleiras muitas vezes, e sempre houve espaço pra ti. Agora estão bagunçadas e eu não sei se quero arrumar de novo, e guardar-te um espaço. Não sei nem onde fostes parar. Sei que um dia, depois que tiver arranhado todas as cortinas e a luz do sol puder enfim entrar, encontrar-te-ei escondido embaixo da cama, morrendo de medo, de fome e de frio. Só no escuro, trancado em teu vazio. E eu vou guardar-te o segredo das cortinas, assim como tu escondeste o segredo dos gatos.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Dor de cotovelo

Eu sou o resto, o que sobrou da festa suja onde todos beberam, fumaram e treparam, e ninguém amou. Não, eu não posso estar pensando nisso: mesmo me tratando como um lixo, ainda penso em seguir-te, em acoplar-me a ti. Se me tratas como acessório, é porque eu mesma me comporto como um.

Odeio-te e quero que sofras. Tenho os piores desejos para ti, quero tua infelicidade, quero que tudo dê errado na tua vida. Quero que passes fome e tenhas que aprender a pescar camarão para sobreviver, que arrumes um câncer de pele de tanto ficar embaixo do sol no meio do fim do mundo no Caribe. E que tenhas que pedir dinheiro emprestado para pagar uma passagem de avião e tratar teu câncer na civilização que tanto desprezas.

Quero morar na tua casa, comer tua comida, e trepar com um porteño maravilhoso na tua cama, enquanto tu desenvolves teu câncer em Punta Cana. Dormir tranqüila enquanto imagino tua vida miserável. Alguma doença tropical que não apresente sintomas, e que ninguém descubra o que é. Que fiques doente e definhes, e morras num corredor de hospital público. E que depois na autopsia descubram que tinhas apenas uma gripe, ou qualquer coisa banal do tipo.

Quero vomitar na tua boca, escarrar na tua cara, quero jogar água fervendo em teus ouvidos enquanto dormes tranqüilo. Não sei como podes dormir. Eu não durmo e não como, apenas fumo loucamente e tenho desejos psicóticos, planejo vinganças. E fico feliz quando imagino tudo isso que acabei de descrever. Se eu fosse uma Deusa você estaria fodido. Mas parece que os Deuses só gostam de fazer piadas grotescas comigo. Sinceramente não entendo a ironia divina.

“ Meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar”. Eu quero aprender a me esconder entre os escombros, e sobreviver feito barata, que é o que eu sou. O ser mais asqueroso do Universo. Nunca mais quero construir mundos, nem sonhos. Quando tudo despenca e rui, tem que ter muito culhão pra agüentar. E eu não tenho culhão. Não suporto mais, não agüento mais, cansei, estou farta. Já movi meus mundos e me adaptei, já te segui, não te sigo mais.

Estou farta de ser a qüinquagésima terceira pessoa em quem você pára para pensar quando constrói teus mundos. Queria alguém que construísse junto comigo. Hoje não quero nem isso mais. Quero ficar em paz e que dois terços da população morram bizarra e morbidamente, que restem apenas as mulheres e os gays, que ninguém se reproduza e que a humanidade enfim acabe. E que eu possa descansar sem ter que reencarnar nesta merda de ser humano.

Hoje eu serei a mulher mais bela da rua da lama. Ninguém verá minha tristeza escondida nos olhos cobertos de sombras, lápis negro e rímel. Vou arrumar umas cinco úlceras e três enfisemas pulmonares, se é que isso é possível. Em se tratando de Dolores, qualquer dor é possível. Hoje eu vou sair e encher a cara em algum boteco sujo de esquina, de encruzilhada de preferência, para que desçam todas as pombagiras. Vou te rogar ainda mais pragas que as que escrevo agora, e de repente jogo uma flor para que Dona Estrada feche teus caminhos. Vou falar mal de você com outras mulheres, que concordarão comigo e também falarão mal de seus homens. E quando me desesperar completamente e quiser chorar, vou levantar os olhos para o céu e respirar fundo, e não deixarei que nenhuma gota escorra.

Tudo de bonito ficou feio de repente. Um abalo sísmico. Um tufão, um maremoto. Eu tenho que juntar os cacos que o vento espalhou pelos quatro cantos do mundo. Por mais que já tenha passado tantas e tantas vezes por terremotos e tufões, dói do mesmo jeito. E eu já não posso mais suportar a dor.

Por isso preciso odiar-te, para que qualquer coisa de mim sobreviva. Preciso petrificar-me e me amargurar, parar de acreditar, de construir. Preciso ser menos casa e mais terremoto. Preciso expulsar-te de mim e trancar as portas. E só posso fazer isso desejando-te todo o mal do mundo. Desaprendi a ser leve e boa. Sei apenas arrastar correntes.

E incrível: todo esse rancor é porque ainda te amo. E dói ainda mais porque me resta uma esperança filha da puta, última a morrer e primeira a matar. Não preciso nem cometer suicídio: já estou morta. Morri de dor de amor mal amado.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Patética

Não devia ter cogitado a hipótese de ceder a este desdém másculo, seduzia-me artefatos simples, um apartamento simples e minhas unhas cor carmim. Segredava rua afora agradáveis diálogos noturnos, em meio ao conforto de minhas echarpes, meias finas e calcinhas de cetim.
Podia deitar-me com homens alheios a meus segredos, usá-los na imaginação de meu sexo e acordar sobre a textura de meus lençóis.Só.Soberana.
Neste momento que tomo meu café meio amargo, deixo a luz passar pelas cortinas e pergunto ao meu corpo se gostou da brincadeira.
Meus saltos costumam deixar claro que são mais importantes do que a biologia espera de mim, no entanto menos do que espero do mundo.
Cortei relações familiares pois não fui eu que as escolhi.
Ah! A vontade que tenho de estar pronta, dar os braços à noite e bailar com o que ela tem a me oferecer. Às vezes me serve de um azulado néon para repousar em meu quarto, outra me enche de sua euforia glamurosa, e eu me apaixonei por ela.
Não deveria tê-la deixado envelhecer.
Ela deveria ter se mantido minha adorável e doce Pagu
Mesmo traída, ela há pouco prometeu, que se eu repousasse faria meus lábios novamente vermelhos, venenosos.
Prometeu que minhas meias fina voltariam a abraçar-me as pernas, que novamente eu sorriria rodeada por minhas echarpes.
Parte dele me tornou matrona, caseira,meu fantasma de criança.Seu pênis me tornou escrava de meu próprio prazer, forçava-me a delírios monstruosos, mas jamais deixei-me culpar pela peça que me transformava em Tarsila, Ai recatada Tarsila, chata, suave e demasiada gentil. Pintando seus quadros patéticos a sombra de um falo amado.
Volto a divertir-me na luxúria cristã de um homem qualquer.
Prazer, sou Isadora.