sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Um imbecil com nome de santo

O filme atrasou mais de meia hora. Ela entrou no cinema e ele ainda não havia chegado. Talvez seja um sinal – pensou- Deus tem uma maneira irônica de mostrar os caminhos pra gente.

Já havia algum tempo que sentia-se mal com a situação. Não revelarei seus segredos. Basta dizer que já não tinha tanta certeza de querer continuar brincando com ele. Estava novamente apaixonada por seu amor antigo. Haviam conseguido tirar o mofo das prateleiras, e os corações estavam de novo abraçando-se no altar. Reapaixonar-se era melhor que apaixonar-se pela primeira vez.

Não esperava o antigo, mas um novo desses descartáveis modernos que nem pra reciclar servem. Ficou feliz quando ele não apareceu, ela era uma menina muito ecológica. Entrou no cinema apenas com sua alegre companhia e um livro de contos de loucura e morte.

Na penumbra avistou um rapaz que puxava uma moça pela mão, guiando-a. Ele deu uma parada rápida e olhou-a como se a procurasse. É ele, ela soube, mesmo sem enxergar nem um centímetro do seu nariz de Capitão Gancho.

Divertiu-se com os curtas brasileiros que viu sem gastar um tostão num cinema universitário cheio de mosquitos. Saiu assim que acabou a sessão, nem esperou os créditos, já que uma das coisas que mais detestava no mundo era ser obrigada a fazer social com gente que mal conhecia. E, por ironia, sempre encontrava alguém com quem não queria falar na saída do cinema, nem em nenhuma outra saída.

Como não poderia deixar de ser, encontrou o novo, com a nova de mãos dadas. Ele veio falar com ela. Deu-lhe um abraço: como você está?? Tudo bem, respondeu sorrindo. O novo apresentou-lhe a nova, que lhe perguntou coisas que ela realmente não estava com a menor paciência para responder. Mas foi educada, era uma lady, respondeu tudo calmamente, porém sem brechas para novas perguntas.

Foi embora um tanto catatônica. Como um rapaz combina com uma moça no cinema e leva outra moça? A não ser que ambas estejam de acordo com um ménage à trois, não tem o menor sentido.

Qual foi o (des)propósito de convidar uma nova moça para ir ver o mesmo filme, no mesmo cinema onde sabia que a antiga moça estava? E pior, o novo nem sabia do festival, havia sido convidado pela primeira moça. E aceitado o convite.

Demorou dois dias para entender tudo. Ele é apenas um imbecil. O que é mais pavoroso que ser perverso. Se o último faz de propósito e por prazer, o primeiro nem se dá conta do que faz. Pensa que está agradando. É tão cego trancafiado no seu mundo que não enxerga o mundo dos outros.

No MSN o novo vem puxar conversa: poxa, foi ridículo o que aconteceu. Mas eu queria muito te ver, ainda estou morrendo de saudades. Ela não perdeu seu tempo respondendo.

Depois ele convidou-a para tomar uma cerveja e ela disse que era melhor não. Ele disse que achava importante vê-la mesmo acompanhado de outra. E que o pai desta havia passado mal, blá blá blá. Ele achou que seria uma atitude de cavalheiro levá-la ao mesmo o cinema onde outra moça o esperava. Claro, afinal de contas, ele é uma pessoa muito especial, especialíssima. Ô. Mais importante que qualquer gotícula de bom senso era sua presença encantadora.

Como o objetivo de vida da moça era alcançar o nirvana e virar Buda, ela simplesmente ignorou, respirou fundo e sorriu. E pensou: estou ficando craque na arte de abstrair as pessoas e suas asneiras. Releve e sinta-se leve. Seu coração estava em paz. Ela não precisaria mais confessar ao descartável seu amor renovável nem sujar seu nome sagrado. Tudo tornou-se simples de repente.

Até hoje a moça continua agradecendo a Deus por havê-la livrado desse novo imbecil com nome de Santo. Ele ainda vive absorto em suas confusões dementes, narcisistas e egoístas. O bom senso está definitivamente fora de moda.