quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Era disso que eu estava falando.

Aquele zumbido foi aumentando

Exponenciando, pessoalmente? Ridículo!

Eram 27, 30, quase 40 anos e se contorciam

Inebriados que estavam de consumir porra nenhuma.

Todos vestindo intenções com fantasias pobres., paupérrimas

Uns dançavam a frustração, outros para o patético.

Alguns dançavam pra depressão , abstinência, para os monstrinhos debaixo da cama,

Bulimia, alcoolismo, dançavam pela separação não superada.

O som do desrespeito as raízes, a erva pendia chorosa dos lóbulos, sentindo-se pisoteadas.

Até o deboche era demais, mal dosado, todo o resto seguia a risca, as roupas, o balanço da dança, os sorrisos metálicos ou demasiado alegres.

O batuque forçando uma cor, mentindo origens e dores.

É vazio e seco como um baque na areia,

Abafa, sufoca como um enforcamento.

Belíssima orquestra de movimentos em um tom de debilidade.

Maribondo, ela quer ouvir maribondo!

É a mais sensata dos perfis possíveis,

Não erra nem por estar ali, pois quer ouvir marimbondo!

Não é maçante como sou, leve, irritante e quer ouvir marimbondo

Posar sobre as paciências, punir quem se importa e continuar zumbindo.

Chatear, ela deseja sapatear boas intenções, por isso se contorce e se redimi do juízo.

A cada revoada, esbarrando, ocupando o espaço, zombando, zumbizando!

Marimbondos.

É disso que eu estava falando!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Não Entre.

Não durma aqui. Está cheio de formigas.

Foi assim que me apareceu o bilhete pregado à porta. As paredes estão todas sujas: mãos, pés, mãos, pés, posso ver tuas digitais. O retrato de um filho dependurado. Ou será um aborto?

Nos lençóis em que nós dormimos formigas passeiam, movem-se não sei por quê. Eu já as sinto mordiscarem-me os pés, subirem-me pelas pernas até alcançarem o alto da nuca, pescoço longo que tenho, como o das galinhas que te apetece tanto cortar. Sou aquela galinha que passeia tranquilamente sem a cabeça e ninguém entende. Querem comê-la, mas ela insiste em caminhar, como se perder a cabeça fosse como perder uma pena. Tu não sabes que quando me cortaste a cabeça não me cortaste o centro nervoso. Por isso caminho, e caminharia assim eternamente sem cabeça se fosses piedoso e estancasses minha hemorragia.

Sim, eu entrei no quarto, não te contei? Eu sempre entro no proibido, e agora estou entrando no óbvio. Óbvio que tanto te odeio.

Mas eu não sei guardar os segredos. E por isso não te fragmento, te planifico. Quero-te tão óbvio como uma planilha do Excel, para que eu possa meter meu xis onde queira, e, possa assim responder a pergunta feita às secretárias. Fui-te bibliotecária dos desejos, cataloguei-os e, no fim, vieste e disseste: queime Alexandria!

Uma formiga subiu no meu braço. Não, eu não pude parar à porta, já disse. Teu aviso apenas despertou minha curiosidade mórbida e doentia. Tive que arranjar a desculpa dos chinelos velhos para abrir-te a porta. Eu visto meia-calça cor de bailarina, não posso tocar o chão senão com as pontas – a delicadeza facilmente se desfia.

Estou em meio à tuas formigas. E sabes que elas nada fazem, apenas sobem e descem, encontram antenas, creio eu, para se comunicar. Faz tempo que nada te comunico.

A mensagem é irrelevante. Eu queria que mãos me masturbassem, mãos que escutassem. Literatura é pura masturbação, por isso pouco importa a mensagem. Quando me escrevo não vejo – tudo é quase alucinação. Depois paro, me leio e me masturbo – aí gozo. Tudo existe entre mim e ti.

Hoje fui a Budapeste e vi uma das coisas mais incríveis: marimbondo. Marimbondo é todo feminino, mas esse r escondido revela o ferrão que masculino tem, esse pontiagudo que fere e incha. Marimbondo rebimboca pelo meu corpo, e eu me submerjo na cumbuca d’água que equilibro na cabeça, dançando e afugentando-lhe. Marimbondo significa “nome comum a várias espécies de vespas dotadas de aguilhão inoculador de veneno, principalmente as dos gêneros Políbia e Polistes”, mas seu significante é para mim música pura, é pandeiro e cuíca. Crio minhas próprias imagens acústicas, o conceito não me importa, associo livremente marimbondo ao ribondo, que riboca e repilica meus sentidos. Assim é para mim a música de marimbondo.

Ontem descobri tanta coisa que tu nem sabes, e tudo isso foi em Budapeste. Não te falo dos planos narrativos nem da fragmentação do sujeito, já disse que quero planificar-te, tu não tens camadas. Sóis de uma cor única, sem nuances, pálida e entediante. A luz não te altera, e na sombra és de um negro desbotado e gasto porque não sabes que a sombra pode ser azul cerúleo ou verde bandeira.

Eu comecei a perder a vontade das palavras e a me distrair com as formigas. Matei a que estava na ponta da cama, acho que ela era a chefe, porque fazia sinais para as outras passarem. E de repente não há mais outras, talvez tenham se escondido com medo do dedo que triturou a primeira.

Aqui é quando decaio. Já gozei. Aí começo a inventar histórias de formigas. Queria ser formiga e pensar-me importante, e de repente algum dedo vem e pronto, me esmaga. É... talvez eu seja aquela formiga que eu esmaguei.
Volto porque não sei parar à porta com o bilhete. Eu sei, você me avisou que havia formigas. Eu apenas quis ver o tamanho – e eram pequenas, muito pequenas.

Eu sei do jogo. Só te restam os peões e eu te cheque-mate. Cavalguei-te, mas nunca entendeste o movimento do L, do quatro. Ensinei-te todos os movimentos, e você só aprendeu o movimento óbvio dos peões. Tudo tão linear para ti...

Matei-te com o cavalo, mas tu com as formigas... por essa eu não esperava.

Que quereis? Comer os restos dos doces da minha boca? Praguejar-me sapos-bois? A culpa é sua porque eu defini e pronto – sou eu quem escreve a história.

Fiz-te tantas histórias que nem sabes... Se eu fosse inteligente já seria acadêmica pelo menos, e haveria mil garotos querendo trepar comigo, mas não – não, tu sabes – eu sou visceral. E aqui está o que me resta de intestino grosso – de grosso falta-me apenas dar-te o cu, mas não, calma. Agora eu fumo.

Depois que fumo, volto. Falava-te do cu, mas havia algo mais bonito que eu perdi. O bonito eu sempre perco...

Eu sou visceral e te culpo porque não me importa – quero apenas culpar-te. Quero que sejas o feio, o que me deixou. Mas eu entrei no quarto das formigas e te vi sozinho, dizendo-me que não sabias. Nunca soubeste?

Sempre fui eu quem soube, sempre! Estou cansada do sempre, quero outras notas. Quero que me desafines, mas tu guardaste tua desarmonia para teu punk rock mal elaborado. Aquela música que me compuseste ficou trancafiada na gaveta do olvido. “Swim all over you, tell me how I’m going to, amor, swim all over you?” Em que mares gélidos tu te submerges agora? E essa tua voz, ainda presa na garganta? Sim, tua voz é péssima, ninguém te sublima. Então precisas dos efeitos eletrônicos sonoros para que reverberes e explodas. Eu que nunca cantei explodo muito melhor. Aí tens meu cheque: falta-te alma.

Também porque tu sempre buscas o “alto espírito supremíssimamente elevado da biribiboca da ribiboquinha”. E eu sei, eu sei, sei, sei, sei que nada disso te basta. E que sóis infeliz.

É nesta hora que fico mais contente. Sabes por quê? Dizer-me vingativa é óbvio, fujamos do óbvio. É porque me traíste. Fui-te o mais incrível e fabuloso, e tu simplesmente disseste-me adiós. Assim, no más, adiós. Isso não aceito.
Quero que as formigas te comam. Inteiro. E depois eu verei os ossos, e restos de carne, e passarei a língua entre tuas costelas mortas. Foste sempre morto, morto. E eu as vísceras do teu ser.

Odeio-te do mesmo modo que um dia te amei. Assim sou eu.

As formigas não me devoram mais. Arranquei o papel da porta do quarto, e pendurei um aluga-se. Aluga-se. Tu me deves pelo menos dois anos de hospedaria.