quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ainda...

Não sei como amor virou saludos. Estranho se despedir. Se não consigo me despedir das roupas velhas, quem dirá das pessoas. Tenho roupas que guardo por anos... e um dia, de repente, resolvo usá-las. Outras viram fantasias de carnaval. Eu reinvento roupas e não consigo reinventar pessoas. Fantasio-te mas você não me cabe, me pinica, me aperta. Mandei-te para a costureira e voltou pior do que estava. Acho que a única solução é jogar-te fora, para que uma menos afortunada, outra desesperada por fantasias, te reaproveite.

Dizem que para um pé cansado sempre há um chinelo velho. Meus pés às vezes se cansam, mas preciso apenas de dedos que caminhem delicada e silenciosamente sobre eles, então se recuperam. Eu não consigo usar sempre o mesmo sapato, me dá calos, até o mais confortável dos chinelos velhos. Preciso de um salto agulha novo, para que meus pés não toquem mais a lama, e aprendam a caminhar com elegância sobre os buracos que encontro pelas estradas de minha vida.

Não sei se guardo sua gaveta aqui ou se alugo. Queria era vender mesmo, mas ninguém quer comprar. Não sei se porque o preço é alto e assusta os clientes, ou se é barato demais e o cliente desconfia. Preciso aprender a cobrar o preço justo.

Foste uma ponte que me levou a lugar nenhum. E eu queria que fosses montanha. Queria ser-te uma árvore, flor e fruto, mas fui-te vento, ventania, tufão. Você não agüentou e desmoronou, agora não posso mais passar meus pés descalços pela tua mão.

Queria ser-te tijolo e que fosses cimento, mas você quis construir uma cabana, e eu, castelo. Tenho uma coroa que você não vê, pensas-me vassalo de teus súbitos desejos. Eu tenho súditos que morrem de desejo de tocar minha coroa. Mas eu preciso de um rei.

Talvez não entendas que sou gato, não cachorro. Estou acostumada a andar em muros com cacos de vidro, já fui escaldada, já fui sagrada no Egito, tenho sete vidas e já morri umas três. Sou a dona da casa, esfrego-me em tuas pernas, arranho e mordo quando me dá na telha. E não adianta tentar colocar-me uma coleira, é inútil. Tu, porém, compreendes apenas os siameses vesgos de apartamentos, que não tem coragem de gastar uma vida atirando-se lá de cima. Ou talvez esses pobres gatos nem saibam que têm tantas vidas, e tu, em teu egoísmo cruel, guarda-lhes esse segredo.

Eu arrumei as gavetas e as prateleiras muitas vezes, e sempre houve espaço pra ti. Agora estão bagunçadas e eu não sei se quero arrumar de novo, e guardar-te um espaço. Não sei nem onde fostes parar. Sei que um dia, depois que tiver arranhado todas as cortinas e a luz do sol puder enfim entrar, encontrar-te-ei escondido embaixo da cama, morrendo de medo, de fome e de frio. Só no escuro, trancado em teu vazio. E eu vou guardar-te o segredo das cortinas, assim como tu escondeste o segredo dos gatos.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Dor de cotovelo

Eu sou o resto, o que sobrou da festa suja onde todos beberam, fumaram e treparam, e ninguém amou. Não, eu não posso estar pensando nisso: mesmo me tratando como um lixo, ainda penso em seguir-te, em acoplar-me a ti. Se me tratas como acessório, é porque eu mesma me comporto como um.

Odeio-te e quero que sofras. Tenho os piores desejos para ti, quero tua infelicidade, quero que tudo dê errado na tua vida. Quero que passes fome e tenhas que aprender a pescar camarão para sobreviver, que arrumes um câncer de pele de tanto ficar embaixo do sol no meio do fim do mundo no Caribe. E que tenhas que pedir dinheiro emprestado para pagar uma passagem de avião e tratar teu câncer na civilização que tanto desprezas.

Quero morar na tua casa, comer tua comida, e trepar com um porteño maravilhoso na tua cama, enquanto tu desenvolves teu câncer em Punta Cana. Dormir tranqüila enquanto imagino tua vida miserável. Alguma doença tropical que não apresente sintomas, e que ninguém descubra o que é. Que fiques doente e definhes, e morras num corredor de hospital público. E que depois na autopsia descubram que tinhas apenas uma gripe, ou qualquer coisa banal do tipo.

Quero vomitar na tua boca, escarrar na tua cara, quero jogar água fervendo em teus ouvidos enquanto dormes tranqüilo. Não sei como podes dormir. Eu não durmo e não como, apenas fumo loucamente e tenho desejos psicóticos, planejo vinganças. E fico feliz quando imagino tudo isso que acabei de descrever. Se eu fosse uma Deusa você estaria fodido. Mas parece que os Deuses só gostam de fazer piadas grotescas comigo. Sinceramente não entendo a ironia divina.

“ Meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar”. Eu quero aprender a me esconder entre os escombros, e sobreviver feito barata, que é o que eu sou. O ser mais asqueroso do Universo. Nunca mais quero construir mundos, nem sonhos. Quando tudo despenca e rui, tem que ter muito culhão pra agüentar. E eu não tenho culhão. Não suporto mais, não agüento mais, cansei, estou farta. Já movi meus mundos e me adaptei, já te segui, não te sigo mais.

Estou farta de ser a qüinquagésima terceira pessoa em quem você pára para pensar quando constrói teus mundos. Queria alguém que construísse junto comigo. Hoje não quero nem isso mais. Quero ficar em paz e que dois terços da população morram bizarra e morbidamente, que restem apenas as mulheres e os gays, que ninguém se reproduza e que a humanidade enfim acabe. E que eu possa descansar sem ter que reencarnar nesta merda de ser humano.

Hoje eu serei a mulher mais bela da rua da lama. Ninguém verá minha tristeza escondida nos olhos cobertos de sombras, lápis negro e rímel. Vou arrumar umas cinco úlceras e três enfisemas pulmonares, se é que isso é possível. Em se tratando de Dolores, qualquer dor é possível. Hoje eu vou sair e encher a cara em algum boteco sujo de esquina, de encruzilhada de preferência, para que desçam todas as pombagiras. Vou te rogar ainda mais pragas que as que escrevo agora, e de repente jogo uma flor para que Dona Estrada feche teus caminhos. Vou falar mal de você com outras mulheres, que concordarão comigo e também falarão mal de seus homens. E quando me desesperar completamente e quiser chorar, vou levantar os olhos para o céu e respirar fundo, e não deixarei que nenhuma gota escorra.

Tudo de bonito ficou feio de repente. Um abalo sísmico. Um tufão, um maremoto. Eu tenho que juntar os cacos que o vento espalhou pelos quatro cantos do mundo. Por mais que já tenha passado tantas e tantas vezes por terremotos e tufões, dói do mesmo jeito. E eu já não posso mais suportar a dor.

Por isso preciso odiar-te, para que qualquer coisa de mim sobreviva. Preciso petrificar-me e me amargurar, parar de acreditar, de construir. Preciso ser menos casa e mais terremoto. Preciso expulsar-te de mim e trancar as portas. E só posso fazer isso desejando-te todo o mal do mundo. Desaprendi a ser leve e boa. Sei apenas arrastar correntes.

E incrível: todo esse rancor é porque ainda te amo. E dói ainda mais porque me resta uma esperança filha da puta, última a morrer e primeira a matar. Não preciso nem cometer suicídio: já estou morta. Morri de dor de amor mal amado.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Patética

Não devia ter cogitado a hipótese de ceder a este desdém másculo, seduzia-me artefatos simples, um apartamento simples e minhas unhas cor carmim. Segredava rua afora agradáveis diálogos noturnos, em meio ao conforto de minhas echarpes, meias finas e calcinhas de cetim.
Podia deitar-me com homens alheios a meus segredos, usá-los na imaginação de meu sexo e acordar sobre a textura de meus lençóis.Só.Soberana.
Neste momento que tomo meu café meio amargo, deixo a luz passar pelas cortinas e pergunto ao meu corpo se gostou da brincadeira.
Meus saltos costumam deixar claro que são mais importantes do que a biologia espera de mim, no entanto menos do que espero do mundo.
Cortei relações familiares pois não fui eu que as escolhi.
Ah! A vontade que tenho de estar pronta, dar os braços à noite e bailar com o que ela tem a me oferecer. Às vezes me serve de um azulado néon para repousar em meu quarto, outra me enche de sua euforia glamurosa, e eu me apaixonei por ela.
Não deveria tê-la deixado envelhecer.
Ela deveria ter se mantido minha adorável e doce Pagu
Mesmo traída, ela há pouco prometeu, que se eu repousasse faria meus lábios novamente vermelhos, venenosos.
Prometeu que minhas meias fina voltariam a abraçar-me as pernas, que novamente eu sorriria rodeada por minhas echarpes.
Parte dele me tornou matrona, caseira,meu fantasma de criança.Seu pênis me tornou escrava de meu próprio prazer, forçava-me a delírios monstruosos, mas jamais deixei-me culpar pela peça que me transformava em Tarsila, Ai recatada Tarsila, chata, suave e demasiada gentil. Pintando seus quadros patéticos a sombra de um falo amado.
Volto a divertir-me na luxúria cristã de um homem qualquer.
Prazer, sou Isadora.