domingo, 22 de março de 2009

A la carte na mesa de um cabaré.

Não sei onde arrumei esse inchado no joelho, havia saido decidida do ônibus que me conduzia ao lar.
Mas deveria mesmo ter saltado, decidida como estava, não me falharia o botequim.Voava por ali passarinhos a muito presos pela ordem da lei, e que de bom-grado me recebem muito bem até hoje, guardada a maladragem dos gestos ensaiados, tidos na gaiola, e eu já carregava no peito a saudade da boa mesa!
Lá dei de encontro com doces olhos verdes, que fazem seis anos me acharcaram prepotentes, ontem mais tolerantes, procurou saber de minha opinião quando seu aborrecido olhar me alvejou pelo desconforto da côrte de um também velho desafeto, tudo na mesa de um bar, onde todas as histórias tecem no tempo; na época fulminou-me com a impaciência de felino esfomiado,deu de rabanada o enciumado e sumiu.Nunca mais me foi côrtez,mas nunca escondeu a furia do desejo que compartilhava comigo, era inquieto, flamejante e calou-se.
Certa vez, estavamos juntos numa gafieira, ele chateado por sentir-se negligenciado por mim,nada passou de um engano, mas enfim, meu querido não era muito de discutir incômodos, me beijava e eu gostava. Quando percebi uma moça interessada e ele inclinado, eu moderada e arredia com meu coração,cantarolei para os bolsos onde escondo meus sambas: " Nao vou esperar o transtorno de tornar-te minha infiel paixão, tornarei eu, lençol de qualquer colchão, antes que de mim, ah eu sei de mim....sei daqueles olhos, sei daquelas mãos...."
Caminhei pelo salão perdida, já havia ele beijado a pequena, esmeirando-se em esconder o que eu já precavia, andei como num cabaré, deixando pegar-me as mão os estranhos, cedendo sorrisos de porcelana e beijos de labios desinteressados.
Decidi pelo pouso no balcão e pelo whyski que me custariam os últimos centavos não fosse a gentileza de um cavalheiro sensivel a minha tristeza muito bem maquiada.
Aborrecida declinei somente a companhia de meu copo e cigarro, esperando que viesse a mim, aquela paixão traíra, desculpar-se para meu perdão...
E veio.
Disse que a moça havia pedido desculpas , pelo beijo que robou de meu rapaz, dito por ele,me virei para moça gentil e sorri.
Me trouxe o recado afim de acertar os ponteiros, não sei porque cargas d'aguas desistiu da moça e falou que me beijaria se nada quizesse dizer. Beijei; ele, o moço que afagou minhas mãos e o que me pagou o whyski companheiro, sem ofender a vaidade de minha paixão, que revogava a traição a minha lingua.
Saimos dali no cio, ele me trouxe em casa e fizemos amor no caminho.Sem nada dizer desci do carro e optei pelo resto da noite pra decidir se os beijei por vingança ou para sarar meu desalento.
Passaram-se seis anos e a pouco soube o porque não cortejou a moça até o fim da noite. Casára-se com ela e com ela tinha um filho de 2 anos, contou-me com os mesmos olhos de fundo de mar, e na mesa de botequim me perguntou de nossa velha paixão.Copiei o sorriso que havia dado a moça do pedido de desculpa por te-lo beijado. Passaram -se tantos anos e eu escutei calmante as lorotas sobre a irresistível vontade de ter-me,que nunca passou, mesmo sendo feliz com a delicada moça dos salões de outrora, lembrava de mim.
Então degustei as desculpas, melindrei os elogios,fiz que ele falasse dela, confessasse que naquele momento não esqueceria que com ela partilhava os últimos seis anos, então fui buscar minha bolsa guardada camaradamente sobre a geladeira do botequim, para no banheiro de casa devolver a lágrima escondida no sorriso que dirigi a esposa de meus olhos verdes-mar nos salões do tempo.
Ele segurou-me contra a porta sem deixar que eu saisse de seus braços, e com os mesmos beijos de antes apertou meu corpo de frente a parede e me amou. Não deveria querer me olhar nos olhos, mas olhou.
Hoje a gentil moça é dona do seu lar, e eu amada como a rainha de um cabaré.Percorri mentalmente aquele salão que lotado acolhia meu triste acontecido, dessa vez vazio so bailava minha satisfação jovem, de ter de volta uma paixão covardemente abatida.
De manhã passei por ela na padaria, como boa esposa que é deu bom
dia, e eu?
Sorri pra ela!