Não sei como amor virou saludos. Estranho se despedir. Se não consigo me despedir das roupas velhas, quem dirá das pessoas. Tenho roupas que guardo por anos... e um dia, de repente, resolvo usá-las. Outras viram fantasias de carnaval. Eu reinvento roupas e não consigo reinventar pessoas. Fantasio-te mas você não me cabe, me pinica, me aperta. Mandei-te para a costureira e voltou pior do que estava. Acho que a única solução é jogar-te fora, para que uma menos afortunada, outra desesperada por fantasias, te reaproveite.
Dizem que para um pé cansado sempre há um chinelo velho. Meus pés às vezes se cansam, mas preciso apenas de dedos que caminhem delicada e silenciosamente sobre eles, então se recuperam. Eu não consigo usar sempre o mesmo sapato, me dá calos, até o mais confortável dos chinelos velhos. Preciso de um salto agulha novo, para que meus pés não toquem mais a lama, e aprendam a caminhar com elegância sobre os buracos que encontro pelas estradas de minha vida.
Não sei se guardo sua gaveta aqui ou se alugo. Queria era vender mesmo, mas ninguém quer comprar. Não sei se porque o preço é alto e assusta os clientes, ou se é barato demais e o cliente desconfia. Preciso aprender a cobrar o preço justo.
Foste uma ponte que me levou a lugar nenhum. E eu queria que fosses montanha. Queria ser-te uma árvore, flor e fruto, mas fui-te vento, ventania, tufão. Você não agüentou e desmoronou, agora não posso mais passar meus pés descalços pela tua mão.
Queria ser-te tijolo e que fosses cimento, mas você quis construir uma cabana, e eu, castelo. Tenho uma coroa que você não vê, pensas-me vassalo de teus súbitos desejos. Eu tenho súditos que morrem de desejo de tocar minha coroa. Mas eu preciso de um rei.
Talvez não entendas que sou gato, não cachorro. Estou acostumada a andar em muros com cacos de vidro, já fui escaldada, já fui sagrada no Egito, tenho sete vidas e já morri umas três. Sou a dona da casa, esfrego-me em tuas pernas, arranho e mordo quando me dá na telha. E não adianta tentar colocar-me uma coleira, é inútil. Tu, porém, compreendes apenas os siameses vesgos de apartamentos, que não tem coragem de gastar uma vida atirando-se lá de cima. Ou talvez esses pobres gatos nem saibam que têm tantas vidas, e tu, em teu egoísmo cruel, guarda-lhes esse segredo.
Eu arrumei as gavetas e as prateleiras muitas vezes, e sempre houve espaço pra ti. Agora estão bagunçadas e eu não sei se quero arrumar de novo, e guardar-te um espaço. Não sei nem onde fostes parar. Sei que um dia, depois que tiver arranhado todas as cortinas e a luz do sol puder enfim entrar, encontrar-te-ei escondido embaixo da cama, morrendo de medo, de fome e de frio. Só no escuro, trancado em teu vazio. E eu vou guardar-te o segredo das cortinas, assim como tu escondeste o segredo dos gatos.
Jonas Torres – Promo
Há 14 anos